Mária Pombo

Quarta, 24 Agosto 2011 15:29 Opinião
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Auto-qualquer-coisa

 

Sou uma cidade de deuses, encantada por pessoas humildes. Sou a humildade em pessoa, que em passos curtos se apressa a dar tudo quando já pouco lhe resta.
Sou a história de um povo que se inicia e não termina mais, porque se tem um fim é porque não acaba bem. Sou esse início e aprecio calmamente cada instante, já que o importante não é onde chego mas o que faço pelo caminho.
Sou um pedaço de terra molhada, uma pétala com cheiro a bem-me-quer. Sou a enxada ferrugenta e a camisa transpirada, e por este punhado de chão dou todo o meu suor.
Sou o orgulho do velho reformado que se senta à beira da estrada e nostalgicamente se perde nas suas memórias de infância, rematando com um “naquele tempo é que era bom…”, que ecoa pelas ruas e é ouvido em silêncio.
Sou um barco que se faz ao rio e leva a esperança de um retorno cheio, depois de um dia difícil mas bem passado. Sou a fataça e a enguia, e as migas que completam o manjar.
Sou o bom vinho que faz esquecer os dias piores, que aconchega o corpo nos momentos mais ruins.
Sou a riqueza nos sorrisos doces, nos braços fortes, no tronco esguio. Sou a força das pernas e a altivez dos olhares.
Sou o terreno movediço dos primeiros passos, a sobriedade dos mais sábios, a audácia dos mais destemidos. A valentia dos que dominam o homem, o animal e a máquina, dos que enfrentam o sol abrasador e as chuvas torrenciais.
Sou o bom e o mau, e não anseio a perfeição. Sei chorar, sei rir às gargalhadas, mas também sei qual o momento em que não devo dizer nada.
Sou o ramo de esperança que a criança oferece gentilmente à mãe e à avó, num abraço despreocupado e livre, oferecido sem pensar. Sou a criança que tem sonhos novos em cada dia e acredita na concretização de todos eles. E sou o pai que, ao anoitecer, tenta magicar umas histórias de fadas e heróis para contar aos mais pequeninos.
Sou o berço de muitas vidas, a última morada de outras tantas. E morrer em mim não significa terminar, mas apenas dar lugar a outros para que continuem a história que já começou a ser contada.
O meu nome é Azinhaga.
Muitas vezes não sei o que dizer. Então fico aqui, a apreciar o que já é belo.

Actualizado em ( Quarta, 24 Agosto 2011 15:35 )