Cangas

Domingo, 12 Abril 2009 01:33 André Lopes Coisas que há no MAR
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Uma das peças mais reproduzidas pelos artesãos do Museu Agrícola é a canga. Há-as às dezenas na oficina, desde em miniatura com diversos tamanhos, até às que são feitas segundo a escala real.

Completando o conjunto funcional, a chavelha e os arreios, a canga tem hoje um lugar de destaque no simbolismo agregador da identidade rural riachense, que vai buscar parte da sua diferenciação à importância dos boieiros na organização social passada.

Permeia no conjunto também um peculiar apelo estético nas suas formas, que a transformaram no ícone que hoje se exibe orgulhosamente em qualquer parede, ou que se oferece a um amigo visitante.

Tem assim um novo uso em contexto de modernidade, que pode ser evocativo, pedagógico, contemplativo, decorativo ou mesmo utilitário (há quem o use como cabide ou porta-chaves).

Em termos de tecnologia, a alfaia agrícola e os transportes são duas categorias indissociáveis no mundo rural. A canga (ou jugo) de trave simples entra na subcategoria dos instrumentos de atrelagem, através do qual se domina a junta de bois que puxa a alfaia ou o carro. O sistema de tracção é cornal em que, como o próprio nome indica, o boi puxa a canga pela cabeça.

Os bois são amarrados a duas hastes de madeira chamadas cangalhos (ou canzis) através de diversos arreios, cada um com uma denominação específica, conforme a região de onde é originário (por cá são os seguintes: tamoeiro, brocha, sobre-brocha, niaças, secairo).

Feita em madeira de freixo, ulmeiro, laranjeira ou figueira, a canga de trave é a forma mais comum de atrelagem animal em Portugal. A sua forma varia conforme a região ou localidade, apenas ao ponto de ser reconhecível pelos agricultores locais.

A chavelha é a peça central que tranca o eixo que liga ao carro ou à alfaia. Há a da lavoura, simples, em forma de cunha, e há a chavelha de espelhos, elemento eminentemente decorativo, distintivo de cada casa agrícola ou lavrador possuidor de juntas de bois. Este é o ex-líbris da imagética riachense, equiparado na função aos jugos de tábua do noroeste português, estes profusamente decorados com marcas distintivas, para dar ao gado um aspecto mais espectacular. As chavelhas de espelhos têm uma forma caraterística, são exclusivamente verdes e vermelhas e substituíam as chavelhas da lavoura durante os cortejos de oferendas e outras exibições.

Já as cangas em si não são muito adornadas, contendo apenas sulcos cruzados, provavelmente para identificação imediata do dono. Ainda assim, procure-se um elemento comum a todas elas: um Cinco Saimão (ou Signo de Salomão) em ambos os topos da trave, símbolo de carácter mágico-religioso usado para protecção divina.

 

Actualizado em ( Sexta, 27 Fevereiro 2015 13:07 )