O aparecimento duma igreja (que era velha e já morreu)

Quinta, 06 Fevereiro 2014 16:30 André Lopes Somos todos primos
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"Aos sete dias de fivireiro era de 1656 resebeo o padre manuel fernandes com licensa do reverendo prior e do vigairo geral a Amtónio Rodrigues com Maria Ribeira em a ermida de Santo Amtónio sita nos casais dos riachos forão padrinhos jorge dias e joão de figeiredo madrinhas Luiza Amtunes e Margarida Rodrigues de que fis este termo que asinei o Licenseado Manuel falardo" .
 
Este é o texto mais antigo que consegui encontrar onde aparece referida a igreja velha, decidi transcrevê-lo na ortografia original (com as abreviaturas resolvidas) por me parecer que é totalmente legível e sempre fica pelo pitoresco.
 
Dele ficamos a saber que, para além do facto de a igreja estar a funcionar naquela data, ela se situava nos casais dos Riachos, pelo que se pode assumir que a localidade nasceu ali à volta do largo onde a dita igreja existiu, devendo contar nesta época com cerca de 50 famílias, talvez 150 pessoas, faltando acrescentar que a primeira vez que num registo paroquial é mencionado um individuo morador nos casais dos Riachos é em 1623, e antes dessa data apenas existem referências ao porto e quinta da várzea, quinta do minhoto, quinta do melo e valada, os restantes registos referiam simplesmente moradores no espargal, como quem diz algures no meio do matagal de espargos. O resto desta povoação, tipicamente dispersa, foi aparecendo e foi-se ligando a este centro ao longo dos tempos, mas a isso espero voltar noutra oportunidade. 
 
O primeiro baptismo registado na capela dos Riachos aparece em 1866 e com regularidade em 1872, o que coincide com uma das datas em que terão terminado as beneficiações de 1871, de acordo com José Gonçalves (Memória Cristã de Riachos, 1999, p. 16). Entretanto voltam a rarear nos anos seguintes e reaparecem em 1883, com o seguinte texto "Aos três dias do mês de Outubro do ano de mil oitocentos e oitenta e três nesta Capela pública do lugar dos Riachos da freguesia de Santiago..., cuja Capela tem uma Provisão de licença concedida pelo... Cardeal Patriarca... de trinta de Novembro de mil oitocentos e oitenta e dois, em que autoriza a administração de todos os sacramentos, ainda o de Baptismo e Matrimónio aos moradores do dito lugar dos Riachos..." . Os baptismos são interrompidos entre 1902 e 1907, coincidindo com as obras de ampliação referidas na p. 21 da obra atrás citada. A partir de 1907 são raros os casos em que os moradores dos Riachos levam os filhos a baptizar na igreja de Santiago, pelo que se pode concluir que as obras levadas a cabo na capela a terão dotado das condições necessárias para servir a nova freguesia dos Riachos que se pretendia "... por desmembramento da de Santiago de Torres Novas...".
 
Vamos agora voltar ao ano de 1600 e imaginar que umas poucas dezenas de famílias começaram a levantar a capela, depois os filhos deles e outros que se vinham juntando à nova aldeia, provavelmente durante décadas. Depois foi uma espera de mais de 200 anos para que ela tivesse licença para realizar todos os actos habituais duma infraestrutura deste tipo, e gastar mais umas décadas, dinheiro e trabalho de muitos outros para a transformar numa igreja que, por fim, viesse proporcionar o objectivo que se perseguia há 300 anos de não ter de calcorrear uma légua para lá e outra para cá para cumprir com todas as obrigações que a religião impunha. 
 
O resto da história é simples, veio a república em 1910, a lei de separação das igrejas e do estado em 1911 e em 1942 foi entregue, com dependências e recheio, à fábrica da igreja que a terá trocado pelos terrenos onde foi construída a igreja nova. A câmara de Torres Novas, tradicionalmente conhecida por deitar abaixo tudo quanto havia de antigo, decidiu que a tal capela, que era do povo, devia ir abaixo em nome de não sei o quê. O enterro foi em 1965. 

1 - Registos paroquiais da freg. de Santiago de T. Novas, livro M6, fol. 41v. O catálogo dos livros de Santiago pode ser pesquisado em http://digitarq.dgarq.gov.pt/, usando a ref. PT/ADLSB/PRQ/PTNV14 
2 - idem, livro B34, fol. 40. 
Actualizado em ( Sexta, 07 Fevereiro 2014 12:22 )